Até onde a divisão do trabalho faz sentido?

slide-1-728Há algum tempo escrevi sobre a visão pessimista que Adam Smith tinha sobre as consequências da divisão do trabalho levada ao extremo (se você não leu o artigo leia “Tão ignorante quanto o possa ser uma criatura humana“) e agora vou complementar  essa visão com um trecho de um livro muito mais atual chamado “The connected company” do Dave Gray.

É evidente que a divisão do trabalho foi essencial para atingirmos os níveis de eficiência produtiva que temos hoje, viabilizando o consumo de massa e elevando o padrão de vida de toda a sociedade, mas será que não é hora de rever esse conceito?

Em seu livro o autor Dave Gray diz o seguinte:

“A divisão do trabalho, como vista por Adam Smith em 1700, tem o potencial de aumentar a produtividade. Mas a divisão do trabalho também leva à interdependência: todo trabalhador depende do outro para poder realizar seu trabalho, e uma vez que  essa dependência aumenta, também aumenta o potencial para ocorrência de erros. Quanto maior a divisão, maior a interdependência.

Essa interdependência cria a necessidade de coordenar o trabalho. Tradicionalmente isso tem sido o trabalho do gestor e da burocracia. A coordenação é feita através de métricas e controle.

Quanto mais divisão você cria, mais complexidade existe – especialmente do ponto de vista da administração – simplesmente porque mais coisas precisam ser coordenadas. E assim, se algo pode ser automatizado esse algo será automatizado. Se não for possível automatizar então são criadas restrições para que ocorra o mínimo de variação possível. A divisão do trabalho torna-o mais eficiente, mais previsível, mais confiável e mais à prova de idiotas.

Claro que, quanto mais à prova de idiotas, mais o comportamento é restringido, forçando as pessoas a se comportarem como idiotas mesmo quando elas sabem que não deveriam. Mesmo quando os funcionários sabem que existe uma forma melhor de realizar o trabalho eles serão restringidos por regras e procedimentos que foram estabelecidos para reduzir a variação do sistema. Se o sistema precisar resolver problemas que não podem ser antecipados, então ele irá falhar, simplesmente porque sistemas automatizados e funcionários que são tratados como idiotas não podem resolver problemas, *apenas seguir regras e procedimentos (*meu comentário)

(…)

Acabamos nos acostumando tanto com a idéia de “padrões” como sendo algo bom que acabamos utilizando padrões nos lugares errados. O conceito de “boas práticas” parte do princípio de que existe uma “melhor forma” de resolver um determinado problema. Ou seja, de que todo problema pode ser removido de seu contexto, e uma “melhor forma” de resolver esse problema pode ser descrita e compartilhada. Infelizmente isso tem causado muito problema para as organizações pelo simples fato de que é impossível isolar um problema de seu contexto.”

Tão ignorante quanto o possa ser uma criatura humana

O trabalhador que sabe cada vez mais sobre cada vez menos

Atualmente diversas empresas estão buscando abandonar a visão mecanicista do homem-máquina/empresa-máquina e adotar uma visão mais abrangente, holística, no que diz respeito a seus negócios, funcionários, mercado, etc.

O “engraçado” é que Adam Smith já havia previsto em seu livro Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, vulgo A riqueza das nações, é que a ultra-especialização dos funcionários seria algo alienante e prejudicial tanto aos trabalhadores como às organizações. O engraçado é que ninguém parece ter prestado atenção a essa questão, algo compreensível se levarmos em conta que esse “aviso” está escondido lá para o fim da obra com mais de 1.200 páginas escrito há 237 anos atrás.

De qualquer forma vale a penar ver o que Adam tinha a dizer

O homem que gasta toda sua vida executando algumas operações simples, cujos efeitos também são, talvez, sempre os mesmos ou mais ou menos os mesmos, não tem nenhuma oportunidade para exercitar sua compreensão ou para exercer seu espírito iventivo no sentido de encontrar meios para eliminar dificuldades que nunca ocorrem. Ele perde naturalmente o hábito de fazer isso, tornando-se geralmente tão embotado e ignorante quanto o possa ser uma criatura humana. O entorpecimento de sua mente o torna não somente incapaz de saborear ou ter alguma participação em toda conversação racional, mas também de conceber algum sentimento generoso, nobre ou terno, e, conseqüentemente, de formar algum julgamento justo até mesmo acerca de muitas das obrigações normais da vida privada. Ele é totalmente incapaz de formar juízo sobre os grandes e vastos interesses de seus país; e, a menos que se tenha empreendido um esforço inaudito para transformá-lo, é igualmente incapaz de defender seu país na guerra. A uniformidade de sua vida estagnada naturalmente corrompe a coragem de seu espírito, fazendo-o olhar com horror a vida irregular, incerta e cheia de aventuras de um soldado. Esse tipo de vida corrompe até mesmo sua atividade corporal, tornando-o incapaz de utilizar sua força física com vigor e perseverança em alguma ocupação que não aquela para a qual foi criado. Assim, a habilidade que ele adquiriu em sua ocupação específica parece ter sido adquirida à custa de suas virtudes intelectuais, sociais e marciais.

Será que já não é a hora de repensar a sua organização?